quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Por que estudo Psicanálise

 

Sigmund Freud, criador da Psicanálise.

      Após anos de terapia psicanalítica, as convicções que carregamos são postas em xeque, de tal maneira que uma transformação interior se torna incontornável. Ela pode ser lenta, mas é seguramente inadiável. Com efeito, ao mesmo tempo que algumas certezas caem por terra, outras surgem como uma força inesperada, um surpreendente ânimo, que nos toma pelo braço e que guia os nossos passos rumo a um tentador desconhecido, um mundo à espera de ser redescoberto inúmeras vezes. Creio que fazer uma terapia psicanalítica é, em boa medida, mergulhar naquilo que é próprio do mistério humano: o inconsciente.

    Não é por acaso que, para a formação de um psicanalista, é indispensável a experiência da análise pessoal. Como ajudar alguém a realizar essa inóspita travessia sem tê-la feito por conta própria? Ora, foi ao fazer a minha terapia, que me senti seguro para considerar a possibilidade de iniciar uma formação teórica em Psicanálise. Foi decifrando meus atos falhos, meus lapsos, minhas insistentes repetições e manias que cheguei ao ponto de me perguntar: por que não se arriscar a decifrar outrem? Seguramente não houve uma luz que caísse do céu sobre mim; em outras palavras, não houve uma mudança súbita, mas sim uma transformação gradativa, como um infante que aprende aos pouquinhos sobre o mundo à sua volta.

      Ainda assim, persiste a pergunta: por que se tornar um psicanalista? o que me move nessa peculiar direção?

    Suspeito ter em mim um desejo sigiloso, uma vontade peculiar em ver desabrochar, à minha frente, os segredos, os delírios, os devaneios, as sandices e desejos da mente humana. É como se eu quisesse ser a privilegiada testemunha daquilo que só ouvimos falar nos romances psicológicos de Dostoievski, ou nos melhores filmes hollywoodianos ou, ainda, em histórias diversas, que só a imaginação criativa do Homo Sapiens é capaz de criar. Também desejo ajudar, é claro, com uma ética da escuta que acolhe quaisquer pensamentos. Isso inclui desde as divagações mais ordinárias, até às ideias que a nossa sociedade costuma ignorar, condena e vilipendia.

     Dito isso, creio ter dado cabo (momentaneamente) a uma questão insistente, que se fará presente pelo resto da minha vida. Pois, ser psicanalista, é uma espécie de vocação, para a qual temos de revolver o terreno das dúvidas à procura de respostas, para a qual temos de insistir em redescobrir o sentido de deitar no divã, de estudar os textos teóricos e de acompanhar aqueles que nos procuram. A jornada (felizmente) nunca acaba; ela se prolonga até onde for a nossa busca, o nosso anseio por compreender o mundo, a existência e o desejo.

 

Daniel Viana

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