Ao
longo dos últimos dias, o mundo tem observado, no leste europeu, fatos de
extrema relevância geopolítica e geoeconômica. Não há quem não assuma um
posicionamento com base naquilo que acredita ser ideologicamente factível e
lógico. Entretanto, neste texto, não me aprofundarei nas justificativas do
Kremlin para atacar Kiev, nem se o Ocidente acertou em fomentar o militarismo
nas fronteiras da Rússia, bem como em expandir a OTAN para o leste. Em outro
momento, me deterei nestas questões mais amplas e sensíveis.
Temos
diante de nós um fato: a Rússia invadiu a Ucrânia, pondo um fim à estabilidade
política que se estendeu ao longo de décadas na Europa Oriental. Cada nação tem
apresentado o seu posicionamento com base nas mais variadas justificativas
políticas, ideológicas, históricas, econômicas e socioculturais. Uma mudança de
proporções globais encontra-se diante de nós, com consequências que se
estenderão por muitos anos à nossa frente. Talvez, assim como ocorreu nos
primeiros dias da Pandemia do Novo Coronavírus, nem todos tenham se dado conta
do tamanho da mudança que temos testemunhado.
Em meio a isso, o governo brasileiro
tem demonstrado sua indisfarçável mediocridade. Demonstrar solidariedade ao
presidente russo, Vladimir Putin, foi um dos mais graves erros de política
externa de Jair Bolsonaro. Isso pode ser justificado por diversas razões.
Primeiro, a vastíssima e respeitável tradição diplomática brasileira sempre
prezou pela manutenção da neutralidade nos conflitos entre Estados, a menos que
haja um desrespeito ao Direito Internacional e às determinações da ONU. Não
assumimos abertamente um lado, até que isto se configure incontornável. Segundo,
temos boas relações políticas, históricas e comerciais com os dois envolvidos,
Rússia e Ucrânia, de modo que não é do nosso interesse imediato assumir um
posicionamento claramente contrário a qualquer um dos dois, como, por exemplo,
romper relações diplomáticas com o Kremlin ou Kiev. Terceiro, numa situação de
agravamento das tensões, é injustificável fazer uma visita a qualquer um dos
envolvidos, haja vista que somos parceiros dos dois países. Em suma, a boa
diplomacia sempre preza pela coerência das suas escolhas e pelo pragmatismo,
algo que, simplesmente, não ocorre na gestão Bolsonaro.
No meu entendimento, a boa
diplomacia prefere o pragmatismo aos furores ideológicos. Pois, nas relações
entre as nações, há que se prezar tanto pelos ganhos a curto prazo, quanto
pelos ganhos a longo prazo, o que nem sempre está ligado ao que acreditamos estar
em sintonia com as nossas premissas e convicções ideológicas. Nesse âmbito político,
não se deve cometer quaisquer leviandades a troco de nada, pisando à toa
naqueles que poderiam vir a ser bons parceiros comerciais. Caminha-se com extrema
cautela, com olhos bem abertos para as oportunidades que certas conjunturas
históricas propiciam para a nação em si, tal como Getúlio Vargas fez em relação
ao posicionamento do Brasil na Segunda Guerra Mundial: sem afobação, ele trouxe
aos brasileiros uma série de benefícios econômicos, ao mesmo tempo em que se
posicionou a favor da libertação dos povos da tirania nazifascista. Tal fato
histórico não mudou o passado ditatorial de Getúlio, mas deixou, na nossa
memória coletiva, a consciência de que uma política externa lúcida pode trazer
avanços concretos à classe trabalhadora brasileira.
Deve-se
saber o momento preciso de ser maleável. Evitando, assim, ser injustamente compreendido
como incoerente e falsário. Os partidários mais fanáticos, certamente, irão
esbravejar e espernear contra quaisquer movimentos conciliadores, de tal
maneira que, um bom governante, está com os seus ouvidos atentos aos seus aliados
moderados. Eles são a parte que, geralmente, está mais lúcida, serena e próxima
da realidade. Vale lembrar, por exemplo, que a conservadora e brutal Ditadura
Militar brasileira fez com que fossemos o primeiro país a reconhecer a
independência de Angola — então governada por um partido de esquerda —, algo
que estava em sintonia com os interesses comerciais e financeiros das classes
dominantes brasileiras, apoiadores de extrema relevância para a própria
Ditadura. Isto exemplifica a boa condução diplomática de uma nação soberana.
O apoio de Bolsonaro a Putin foi um desnecessário
tiro no escuro, típico de um governante que tenta escapar, a qualquer custo, do
isolamento ao qual se encontra mergulhado. Se ele tivesse cancelado a viagem de
antemão, teria tido a oportunidade de demonstrar ao Ocidente que não está de
acordo com as manobras militares que já ocorriam nas bordas da Ucrânia, logo,
que é um democrata pacifista, humanitário e libertário. Entretanto, a verdade
sempre prevalece. O mundo testificou mais uma vez que o gigante
latino-americano é governado por um soldadinho arrivista, autoritário,
radioativo e despreparado. E não há nada que negue isso, de modo que o falso
messias se enforca na sua mediocridade. Sua postura inepta e obtusa coloca o
país num completo vexame internacional, naquele que já é um dos fatos mais
determinantes da nossa contemporaneidade. Assim sendo, o próximo mandatário
certamente terá muito trabalho pela frente; ele se verá diante da cansativa missão histórica de concertar as rachaduras e limpar as manchas deixadas por todo lado.
Ao
longo dos últimos anos, tem-se ficado cada vez mais claro que a gestão de Jair Bolsonaro
representa o maior desastre que já acometeu a sociedade brasileira. Jamais se
viu, em nosso país, um mandatário disposto a arruinar por completo o que ainda
poderia ser tido como bom no Brasil. Estamos testemunhando, em primeira mão, um
processo histórico de arrasamento da nossa nação, tal como nunca se viu em
qualquer civilização ocidental. Para tanto, basta levar em conta as centenas de
milhares de mortes da pandemia, a abjeta concentração de renda, o isolamento
internacional, a destruição sistemática dos nossos biomas, a depreciação moral
e financeira das Instituições ligadas à ciência e ao ensino, o desmantelamento
de órgãos culturais imprescindíveis, como, por exemplo, o Ministério da Cultura,
a proliferação de grupos neonazistas, o armamento de extremistas, a cisão das
famílias e grupos de amigos, o retrocesso da linguagem política ao fanatismo
descerebrado, o ressurgimento da inflação e da fome, o desemprego, o empobrecimento
e a precarização das massas etc. Portanto, o aspecto diplomático é somente parte
de uma catástrofe que se estende por todos os lados, cuja reparação levará ainda
muitos anos para ser concluída.
Não
é necessário ser de esquerda para se opor a Bolsonaro. Basta alimentar dentro
de si uma nesga de solidariedade, tolerância, empatia, amor ao conhecimento,
escuta atenta ao próximo… Quem sabe ouvir e respeitar, reconhece, na psique bolsonarista,
um estrago que pode se aproximar da irreversibilidade completa. Os erros do
Partido dos Trabalhadores, cometidos ao longo de quatro mandatos presidenciais,
são visíveis a olho nu, é verdade, mas jamais o petismo se aproximou do que a
ideologia bolsonarista é hoje: uma seita de fanáticos embevecidos de ódio
virulento, pavores delirantes, ignorância profunda, crenças infundadas, desejos
tragicamente reprimidos e intolerância decrépita. Não há como pactuar com essa
gente. É preciso evidenciar suas falhas, derrota-los eleitoralmente, prender os
eventuais criminosos e reconquistar de vez o espírito das massas.
Daniel Viana
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