sábado, 31 de dezembro de 2022

Esterco político e futuro promissor

 


Para o bem daqueles que sonham com um país renascido, um Brasil liberto de seus males inumanos e ancestrais, já podemos anunciar a plenos pulmões: o cativeiro acabou!

Que o energúmeno presidente vá embora de uma vez, e nunca mais volte a pisar nas terras que ajudou a arruinar. Sua fuga canhestra representa a vitória de todos os progressistas, socialistas e democratas, bem como a redenção dos diversos grupos sociais marginalizados e perseguidos pela extrema-direita.

Se Lula conduzirá uma gestão inovadora, responsável e eficiente, proporcionando justiça social, estabilidade socioeconômica e combate à corrupção, já é outra conversa. Deve-se dar um passo de cada vez, sem a arrogância de crer-se capaz de resolver tudo numa canetada.

Agora, com o fascismo derrotado eleitoralmente, de fato, emerge, ao alcance da vista mais exaltada, um momento de esperança há muito ansiado, pois se encerrou o ciclo político dos Bolsonaros e sua caterva, a mais parva, inepta, burlesca e criminosa gente a ocupar o Palácio do Planalto.

A despeito da desconfiança que uma chapa Lula-Alckmin pode vir a causar na militância socialista — na qual eu me incluo —, não se pode negar a mudança que se opera em nosso meio. A conclusão que qualquer um pode chegar é muito simples: o ressurgimento político de Alckmin é preferível a uma vitória da extrema-direita, que, felizmente, não ocorreu.

Mesmo com 58 milhões de votos conquistados, ou seja, o melhor desempenho de um presidente em eleições, Bolsonaro não soube fortalecer-se após o resultado das urnas, apequenando-se mais e mais, tanto aos olhos dos seus adversários quanto àqueles que se dispuseram a cercar os quarteis, ansiosos por se livrarem da democracia que, em 2018, os trouxe ao poder e que agora os devolve à lata de lixo da História. Ao contrário do Partido dos Trabalhadores (PT), que, em 2016, não hesitou em descer a rampa do Palácio que ocupara há mais de uma década, e que, nas eleições passadas, aceitou — num republicanismo inconteste — a derrota para a extrema-direita, Jair Bolsonaro cola em sua testa a figura de mau perdedor, mau-caráter e líder antidemocrático. Em suma, ele usufrui da democracia quando ela o favorece, porém a despreza quando o resultado é contrário aos seus interesses egocêntricos.

Não foi à toa que, desde o resultado das Eleições, vieram à tona as figuras mais histriônicas e hilárias. Ocupando as portas dos quartéis na vã esperança de que algum tipo de reviravolta tomasse de assalto a cadeira presidencial, os desmiolados da extrema-direita apelam à truculência, ao autoritarismo, ao voluntarismo mais delirante, ao sebastianismo mais vira-lata que já se viu em terras tupiniquins. No fundo, eles não têm o que fazer. Lamentam o fim das Eleições, tal qual lamentamos o fim da Copa do Mundo ou o desfecho de uma série muito querida. Falta-lhes assunto à mesa, algo que ocupe o vazio na cabeça — limitaram-se à pequenez da política cotidiana e, agora, precisarão purgar-se do consumo irresponsável de tanta mediocridade, caso contrário, chafurdarão no lamaçal desse sinistro obscurantismo, que nos afundou no atraso, na miséria, no isolamento e no adoecimento coletivo. Decerto, não tenho dúvidas de que até o lero-lero dessa subcultura extremista seja altamente prejudicial à alma humana. Logo, querem um terceiro, um quarto e um quinto turno, pelo menos até que Bolsonaro se reeleja, dando-lhes o conforto de uma ingênua certeza: “o país foi salvo do comunismo”.

Mesmo assim, Jair Bolsonaro não atendeu aos pedidos dos “patriotas”, comprovando que seus flertes autoritários resumiam-se a uma tosca bravata. Faltou-lhe um sinal claro por parte das Forças Armadas? Ainda não se sabe. Tais informações começarão a circular a partir de 2023, de modo que seria leviano afirmar hoje alguma coisa do tipo: “os militares são legalistas” ou “os militares de hoje não querem mais dar golpes”. A caserna nunca foi uma instituição, realmente, transparente e popular; tampouco, se alheou em definitivo da política após o fim da Ditadura (1964-1985); basta recordar a agitação e desconfiança, por parte alguns de seus setores mais retrógrados, com a Comissão da Verdade, que se estendeu de 2011 a 2014, no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Assim diz o célebre ditado popular: quem não deve, não teme.

E, de fato, Bolsonaro tem razões para preocupar-se. Dentro de poucos dias, a corda estará em seu pescoço, estrangulando-o mais e mais. A viagem aos Estados Unidos pode ser uma de suas rotas de fuga. Há tempos que as irregularidades e ilicitudes se acumulam não só à sua volta mas também no âmago da sua família, mas não vou me ater ao ocaso da linhagem bolsonarista, pois isso exigiria demasiada informação neste textinho que estou a escrever.

Como disse, sua prioridade será fugir da cadeia, guardando para si os restos de sua relevância política no seio do espectro anticomunista e reacionário da sociedade brasileira. Por enquanto, não há nada de novo nesse esgoto emporcalhado da extrema-direita brasileira, de modo que se mantém viva a possibilidade de que Bolsonaro — ou um de seus filhos — se candidate em 2026, especialmente se Lula definhar e Trump conseguir a façanha de voltar à Casa Branca, repetindo outra vez a ascensão do autoritarismo no hemisfério ocidental. Resta saber se Lula fará um mandato minimamente digno do seu retorno ao centro político do país. Caso isso se concretize, o retorno da velhacaria bolsonarista irá demorar mais quatro anos.

Ademais, ao contrário de Lula, Bolsonaro não deixará qualquer legado às gerações vindouras, exceto sua tragicômica lembrança. Em décadas futuras, a marca do seu curto mandato será a de um sujeito bocudo, agressivo, insensato e insensível, um salteador do cofre público, absolutamente, incompetente e desumano, cuja conquista foi cevar a guerra em nossa terra, já tão sofrida por males e enganos. Diante disso, devemos nos perguntar: qual foi sua grande obra? qual transformação Bolsonaro foi capaz de implementar em benefício dos mais pobres? o que deixou para aqueles que o sucederem? A resposta é, simplesmente, NADA. As inumeráveis celeumas que protagonizou, a desavergonhada inépcia diante dos obstáculos socioeconômicos do nosso país, reconhecendo, ainda em 2019, que não nascera para ser presidente, e a aberrante gestão da saúde pública no decorrer da Pandemia do Novo Coronavírus, foram algumas das principais marcas do seu mandato catastrófico. 

(Se você chegou até aqui, provavelmente já notou que há um inesgotável leque de possibilidades para se adjetivar Bolsonaro e sua claque de larápios. Para mim, encontrar tantas palavras para descrever esse desgoverno, não é uma labuta intelectual extenuante, tampouco um esforço para chamar a sua atenção; trata-se, antes de tudo, de um divertimento.)

Enfim, não se pode negar que passamos pela fase mais dramática da Redemocratização. Há até quem diga, com boas razões, que esta foi a maior crise de toda nossa história. Pois, se somarmos os eventos acumulados desde Junho de 2013, as crises passadas não nos dividiram tão violentamente quanto esta que se aproxima do seu término. As projeções mais recentes acerca do PIB indicam que 2023 será um ano de crescimento minguado, tal como ocorrera na década passada. No entanto, uma economia fraca não é necessariamente um estopim de crises maiores, tampouco se trata de um mal irremediável. Em geral, as grandes crises são o desenlace conjunto de fatores altamente explosivos, que se acumularam ano após ano, sem que os governantes se dispusessem a encontrar uma solução que as desarmassem; a princípio, tais crises põem em risco uma sociedade por inteiro, porém, no capitalismo, é a classe trabalhadora quem arca com os custos, enquanto que a casta dos abastados desfruta de um patrimônio quase intocado. No atual sistema econômico, como os marxistas nos falam há mais de um século, a crise se constitui como um aspecto orgânico do sistema em si. Achar uma solução definitiva para essa repetição sucessivas de crises, implica, necessariamente, em superar o próprio capitalismo, porém, em certos ambientes, discutir a superação do capitalismo ora é visto como piada, ora é tratado como um tabu.

Enquanto o capitalismo não morre, voltemos às nossas questões que, embora pareçam provincianas, impactam todo o sistema-mundo.

Foi-se embora o emblemático cercadinho; os caminhões da mudança já expurgaram os salões presidenciais, e aquilo que, há alguns meses atrás, parecia distante, está se consumando diante dos nossos olhos. Bolsonaro perdeu! O esterco está sendo varrido, tal qual um câncer é extirpado de um corpo adoentado; sua persistente sobrevida marcou a todos, lacerou a carne de inocentes, vitimou os mais vulneráveis… porém nada sobrevive à mudança dos tempos. As vítimas de sua gestão devem ser lembradas e redimidas, de modo que, anistiar os algozes da matança bolsonarista, seria o maior tropeço da recém-inaugurada presidência petista. Há que se fazer justiça, a fim de que não se repita a impunidade criminosa em relação aos inconciliáveis crimes da Ditadura Militar.

Amanhã, a despeito das críticas que se possa fazer a Lula e ao PT, se iniciará um novo tempo para o povo brasileiro.

 

 

Daniel Viana de Sousa

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Livros lidos em 2022

 

      O ano de 2022 marcou, profundamente, minha vida pessoal, espiritual e intelectual. Os detalhes dessa aventura estão espalhados em textos que publiquei ao longo dos meses, além de outros que pretendo terminar futuramente — à exceção daquilo que pretendo reservar àqueles que me veem de perto. Afinal, todos têm direito a um pouco de discrição em suas vidas.

Aquilo que vou apresentar aqui, ao final de mais um ciclo formativo, é a lista dos livros e autores que li em 2022. Eventualmente, o leitor notará que, neste ano que está prestes a acabar, li quase o mesmo que em anos passados. No entanto, quero deixar claro minha insatisfação quanto ao resultado final. Obviamente, ler não é uma prova de atletismo ou uma espécie de exibição circense, isto é, quantidade e velocidade não são o mesmo que qualidade. Pois há livros e escritores incontornáveis, cuja densidade e complexidade equivalem a dezenas de autores medianos; quem se dedica à leitura sabe bem do que estou falando. Contudo, tenho clareza de que, como escritor e ambicioso aspirante a humanista, eu deveria ler ao menos o triplo do que apresentarei aqui.

Há muito por se aprender, meus estimados leitores e leitoras! O universo cultural e científico criado, ao longo dos últimos milênios, pelos mais notáveis da Humanidade é algo que beira ao infinito; de fato, ninguém pode declarar que sua jornada intelectual concluiu-se, que chegou ao seu limite. Com efeito, quanto mais me dedico à leitura e ao estudo, mais compreendo a profunda dimensão da minha vexatória ignorância. É por causa disso que me frustro com os resultados do meu esforço. Não escondo meu lado preguiçoso e indisciplinado, prisioneiro da procrastinação mais entorpecida e irresponsável. Muitos ainda esperam que isso se resolverá em algum momento do futuro, mas, estando prestes a completar trinta anos, desconfio que esse traço da minha personalidade se manterá inalterado. Enfim, suspeito que serei discípulo dos velhos mestres até o fim da minha vida, o que não se configura como algo necessariamente ruim.

Por fim, espero que esta listinha propicie, aos meus leitores e leitoras, uma noção aproximada do meu percurso ao longo do ano. Evidentemente, não incluí na lista os textos que li na internet, pois a quantidade é demasiadamente elevada, além de estarem dispersos em vários sites e colunas.

 

1.      Vida e morte no budismo tibetano, Chagdud Tulku Rinpoche (Makara); Portões da prática budista, Chagdud Tulku Rinpoche (Makara);

2.      Chamamento ao povo brasileiro, Marighella (UBU);

3.      A política armada, Hector Luís Saint-Pierre (Editora UNESP);

4.      A igreja militante, Charles R. Boxer (Companhia das Letras);

5.      China Tropical, Gilberto Freyre (Global Editora);

6.      Nordeste, Gilberto Freyre (Brasiliense);

7.      Revolução Coreana, Paulo Fagundes Visentini, Helena Hoppen Melchionna, Ana Lúcia Danilevicz Pereira (UNESP); Revolução Cubana, Luís Fernando Ayerbe (UNESP);

8.      Ensaios escolhidos, Augusto Meyer (José Olympio Editora);

9.      Machado de Assis – Vida e Obra Vol. 2, Magalhães Júnior (Record);

10.  Os sofrimentos do jovem Werther, Goethe (Penguin – Companhia);

11.  A arte do Romance, Milan Kundera (Companhia das Letras);

12.  Por que escrevo, George Orwell, (Penguin – Companhia);

13.  O Estrangeiro, Albert Camus (Record);

14.  O Mito de Sísifo, Albert Camus (Record);

15. Mensagem, Fernando Pessoa (Nova Fronteira).

 

Daniel Viana de Sousa

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