Para
o bem daqueles que sonham com um país renascido, um Brasil liberto de seus males
inumanos e ancestrais, já podemos anunciar a plenos pulmões: o cativeiro acabou!
Que
o energúmeno presidente vá embora de uma vez, e nunca mais volte a pisar nas
terras que ajudou a arruinar. Sua fuga canhestra representa a vitória de todos
os progressistas, socialistas e democratas, bem como a redenção dos diversos
grupos sociais marginalizados e perseguidos pela extrema-direita.
Se
Lula conduzirá uma gestão inovadora, responsável e eficiente, proporcionando justiça
social, estabilidade socioeconômica e combate à corrupção, já é outra conversa.
Deve-se dar um passo de cada vez, sem a arrogância de crer-se capaz de resolver
tudo numa canetada.
Agora,
com o fascismo derrotado eleitoralmente, de fato, emerge, ao alcance da vista
mais exaltada, um momento de esperança há muito ansiado, pois se encerrou o ciclo político dos Bolsonaros e sua caterva, a mais parva, inepta,
burlesca e criminosa gente a ocupar o Palácio do Planalto.
A
despeito da desconfiança que uma chapa Lula-Alckmin pode vir a causar na
militância socialista — na qual eu me incluo —, não se pode negar a mudança que
se opera em nosso meio. A conclusão que qualquer um pode chegar é muito
simples: o ressurgimento político de Alckmin é preferível a uma vitória da
extrema-direita, que, felizmente, não ocorreu.
Mesmo com 58 milhões de votos conquistados, ou seja, o melhor desempenho
de um presidente em eleições, Bolsonaro não soube fortalecer-se após o
resultado das urnas, apequenando-se mais e mais, tanto aos olhos dos seus
adversários quanto àqueles que se dispuseram a cercar os quarteis, ansiosos por
se livrarem da democracia que, em 2018, os trouxe ao poder e que agora os devolve à lata de lixo da História. Ao contrário do Partido dos Trabalhadores
(PT), que, em 2016, não hesitou em descer a rampa do Palácio que ocupara há
mais de uma década, e que, nas eleições passadas, aceitou — num republicanismo
inconteste — a derrota para a extrema-direita, Jair Bolsonaro cola em sua testa
a figura de mau perdedor, mau-caráter e líder antidemocrático. Em suma, ele
usufrui da democracia quando ela o favorece, porém a despreza quando o resultado
é contrário aos seus interesses egocêntricos.
Não
foi à toa que, desde o resultado das Eleições, vieram à tona as figuras mais histriônicas
e hilárias. Ocupando as portas dos quartéis na vã esperança de que algum tipo
de reviravolta tomasse de assalto a cadeira presidencial, os desmiolados da
extrema-direita apelam à truculência, ao autoritarismo, ao voluntarismo mais
delirante, ao sebastianismo mais vira-lata que já se viu em terras tupiniquins.
No fundo, eles não têm o que fazer. Lamentam o fim das Eleições, tal qual lamentamos
o fim da Copa do Mundo ou o desfecho de uma série muito querida. Falta-lhes
assunto à mesa, algo que ocupe o vazio na cabeça — limitaram-se à pequenez da
política cotidiana e, agora, precisarão purgar-se do consumo irresponsável de
tanta mediocridade, caso contrário, chafurdarão no lamaçal desse sinistro
obscurantismo, que nos afundou no atraso, na miséria, no isolamento e no
adoecimento coletivo. Decerto, não tenho dúvidas de que até o lero-lero dessa
subcultura extremista seja altamente prejudicial à alma humana. Logo, querem um
terceiro, um quarto e um quinto turno, pelo menos até que Bolsonaro se reeleja,
dando-lhes o conforto de uma ingênua certeza: “o país foi salvo do comunismo”.
Mesmo
assim, Jair Bolsonaro não atendeu aos pedidos dos “patriotas”, comprovando que
seus flertes autoritários resumiam-se a uma tosca bravata. Faltou-lhe um sinal
claro por parte das Forças Armadas? Ainda não se sabe. Tais informações
começarão a circular a partir de 2023, de modo que seria leviano afirmar hoje
alguma coisa do tipo: “os militares são legalistas” ou “os militares de hoje não
querem mais dar golpes”. A caserna nunca foi uma instituição, realmente,
transparente e popular; tampouco, se alheou em definitivo da política após o
fim da Ditadura (1964-1985); basta recordar a agitação e desconfiança, por
parte alguns de seus setores mais retrógrados, com a Comissão da Verdade, que
se estendeu de 2011 a 2014, no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Assim diz o célebre
ditado popular: quem não deve, não teme.
E,
de fato, Bolsonaro tem razões para preocupar-se. Dentro de poucos dias, a corda
estará em seu pescoço, estrangulando-o mais e mais. A viagem aos Estados Unidos
pode ser uma de suas rotas de fuga. Há tempos que as irregularidades e ilicitudes
se acumulam não só à sua volta mas também no âmago da sua família, mas não vou
me ater ao ocaso da linhagem bolsonarista, pois isso exigiria demasiada
informação neste textinho que estou a escrever.
Como
disse, sua prioridade será fugir da cadeia, guardando para si os restos de sua
relevância política no seio do espectro anticomunista e reacionário da
sociedade brasileira. Por enquanto, não há nada de novo nesse esgoto
emporcalhado da extrema-direita brasileira, de modo que se mantém viva a
possibilidade de que Bolsonaro — ou um de seus filhos — se candidate em 2026,
especialmente se Lula definhar e Trump conseguir a façanha de voltar à Casa
Branca, repetindo outra vez a ascensão do autoritarismo no hemisfério ocidental.
Resta saber se Lula fará um mandato minimamente digno do seu retorno ao centro
político do país. Caso isso se concretize, o retorno da velhacaria bolsonarista
irá demorar mais quatro anos.
Ademais, ao contrário de Lula, Bolsonaro não deixará qualquer legado às gerações vindouras, exceto sua tragicômica lembrança. Em décadas futuras, a marca do seu curto mandato será a de um sujeito bocudo, agressivo, insensato e insensível, um salteador do cofre público, absolutamente, incompetente e desumano, cuja conquista foi cevar a guerra em nossa terra, já tão sofrida por males e enganos. Diante disso, devemos nos perguntar: qual foi sua grande obra? qual transformação Bolsonaro foi capaz de implementar em benefício dos mais pobres? o que deixou para aqueles que o sucederem? A resposta é, simplesmente, NADA. As inumeráveis celeumas que protagonizou, a desavergonhada inépcia diante dos obstáculos socioeconômicos do nosso país, reconhecendo, ainda em 2019, que não nascera para ser presidente, e a aberrante gestão da saúde pública no decorrer da Pandemia do Novo Coronavírus, foram algumas das principais marcas do seu mandato catastrófico.
(Se
você chegou até aqui, provavelmente já notou que há um inesgotável leque de
possibilidades para se adjetivar Bolsonaro e sua claque de larápios. Para mim, encontrar
tantas palavras para descrever esse desgoverno, não é uma labuta intelectual extenuante,
tampouco um esforço para chamar a sua atenção; trata-se, antes de tudo, de um
divertimento.)
Enfim,
não se pode negar que passamos pela fase mais dramática da Redemocratização. Há
até quem diga, com boas razões, que esta foi a maior crise de toda nossa história.
Pois, se somarmos os eventos acumulados desde Junho de 2013, as crises passadas
não nos dividiram tão violentamente quanto esta que se aproxima do seu término.
As projeções mais recentes acerca do PIB indicam que 2023 será um ano de
crescimento minguado, tal como ocorrera na década passada. No entanto, uma economia
fraca não é necessariamente um estopim de crises maiores, tampouco se trata de
um mal irremediável. Em geral, as grandes crises são o desenlace conjunto de fatores
altamente explosivos, que se acumularam ano após ano, sem que os governantes se
dispusessem a encontrar uma solução que as desarmassem; a princípio, tais
crises põem em risco uma sociedade por inteiro, porém, no capitalismo, é a classe
trabalhadora quem arca com os custos, enquanto que a casta dos abastados
desfruta de um patrimônio quase intocado. No atual sistema econômico, como os
marxistas nos falam há mais de um século, a crise se constitui como um aspecto
orgânico do sistema em si. Achar uma solução definitiva para essa repetição
sucessivas de crises, implica, necessariamente, em superar o próprio capitalismo,
porém, em certos ambientes, discutir a superação do capitalismo ora é visto
como piada, ora é tratado como um tabu.
Enquanto
o capitalismo não morre, voltemos às nossas questões que, embora pareçam provincianas,
impactam todo o sistema-mundo.
Foi-se
embora o emblemático cercadinho; os caminhões da mudança já expurgaram os salões
presidenciais, e aquilo que, há alguns meses atrás, parecia distante, está se
consumando diante dos nossos olhos. Bolsonaro perdeu! O esterco está sendo
varrido, tal qual um câncer é extirpado de um corpo adoentado; sua persistente
sobrevida marcou a todos, lacerou a carne de inocentes, vitimou os mais
vulneráveis… porém nada sobrevive à mudança dos tempos. As vítimas de sua
gestão devem ser lembradas e redimidas, de modo que, anistiar os algozes da
matança bolsonarista, seria o maior tropeço da recém-inaugurada presidência
petista. Há que se fazer justiça, a fim de que não se repita a impunidade
criminosa em relação aos inconciliáveis crimes da Ditadura Militar.
Amanhã,
a despeito das críticas que se possa fazer a Lula e ao PT, se iniciará um novo
tempo para o povo brasileiro.
Daniel Viana de Sousa
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