terça-feira, 31 de agosto de 2021

Um elogio a Ciro Gomes

 

As Eleições de 2018 foram, indiscutivelmente, as mais conturbadas da democracia brasileira. 

De um lado, apresentou-se o fanatismo bolsonarista, inflamado pelo atentado do dia seis de Setembro, enquanto que do outro lado estava a candidatura petista, mais concentrada em provar a inocência de Lula do que em apresentar um novo projeto para o país. Tragicamente presos a esta díade, os brasileiros optaram por uma guinada à direita. 

Excetuando-se Ciro Gomes, o centro político colapsou eleitoralmente, tal como se viu nas votações do PSDB, de Marina Silva e outros candidatos à presidência. 

O Brasil estava (e ainda continua) rachado em pólos opostos.

Esta polarização não é nova, tampouco é exclusivamente brasileira; no Brasil, ela vem sendo gestada desde os tempos em que Lula era presidente, intensificando-se a partir dos penosos anos de recessão econômica e da crise política deflagrada pela operação Lava-Jato. 

Aos poucos, as opções para o Brasil foram se limitando a um passadismo ilusório e um conservadorismo hidrófobo. O fanatismo e a imbecilidade chegaram a tal ponto que, defender um lado, tornou-se sinônimo de antagonizar visceralmente com o outro. Do mesmo modo, fazer uma sincera crítica ao PT, passou a significar uma adesão imediata ao discurso bolsonarista e vice-versa, de modo que, neste texto, não perderei meu tempo explicando se sou reacionário, liberal ou comunista. Que cada um tire as suas conclusões.

Na verdade, se levarmos em conta o cenário socioeconômico no qual o Brasil está mergulhado — quatorze milhões de desempregados, seis milhões de desalentados, dezenas de milhões na informalidade etc —, perceberemos o quão urgente é a experiência, a coerência, a idoneidade e a sobriedade tanto na prática quanto no discurso. 

Não há mais espaço para messianismo, voluntarismo e personalismo, haja visto estarmos na mais profunda crise da nossa história.

 É preciso um projeto nacional para que o país supere suas contradições históricas; é preciso deixar de lado discussões periféricas e ir ao cerne dos nossos problemas. Para tanto, espero que os meus leitores se abstenham de paixões momentâneas e preferências partidárias.

Desde 2015, quando começou a se evidenciar a debacle petista, passei a acompanhar as palestras e entrevistas do presidenciável Ciro Gomes. Por vezes, isolei-me no meu quarto, ouvindo, pacientemente, as suas falas em diversas universidades brasileiras. Não me arrependo do tempo que gastei escutando as falas do ex-ministro. Seu diagnóstico da crise política, econômica e social brasileira era algo novo para alguém que não tivera qualquer formação política que fosse além do senso comum. Admito que ainda sou um neófito no que diz respeito aos problemas concretos da nossa sociedade.

Para alguém que sempre votou no progressismo brasileiro, Ciro Gomes estava longe de ser a única opção no pleito de 2018. Havia, por exemplo, Guilherme Boulos e Marina Silva, candidatos dignamente alternativos à candidatura petista. Contudo, a posição de Ciro destacava-se em relação às demais por fazer uma dura crítica ao passado recente sem cair no conservadorismo hidrófobo e semiletrado, ao mesmo tempo em que projetava, de maneira genuinamente sóbria, meios e objetivos que, se concretizados, poderiam mudar significativamente o cenário socioeconômico brasileiro. Em outras palavras, Ciro não se limitou a criticar os adversários, mas também propôs um caminho para sairmos do atoleiro. Além disso, a sua notável carreira política fazia com que ele se apresentasse como um eficiente gestor da máquina pública, algo que o atual presidente não pode reivindicar para si. Para aqueles que rejeitariam a eleição de um aventureiro, Ciro Gomes seria a perfeita antítese de Bolsonaro.

Enquanto isso, os arautos do petismo, simplesmente, não buscaram a juventude universitária a fim de prepara-la para os difíceis tempos que se avizinhavam para todo o país. Apostava-se no passadismo, no personalismo mais rasteiro, na simplificação grosseira de problemas estruturais — alocados na Economia, na governança política, na Educação, na Saúde e assim por diante , os quais, claramente, exigiam um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento para o Brasil (PND).

Ciro Gomes conseguiu demonstrar que, no decorrer de mais de trinta anos da nova democracia brasileira, passando pela governança das mais diversas siglas e personalidades políticas, o Brasil andava às cegas, sem prumo, perdendo mais uma vez o bonde da história. Ele não depreciou as conquistas obtidas por seus antecessores, tais como o Plano Real e o significativo aumento de renda da classe trabalhadora, mas foi preciso em atestar que tais avanços eram insuficientes para alcançarmos a prosperidade justa e necessária para o povo brasileiro, em especial os mais pobres. 

Era indiscutivelmente notável a lucidez crítica de Ciro Gomes.

De fato, após treze anos de governo e quatro eleições presidenciais, ao PT só restava dar explicações quanto aos erros cometidos nas gestões de Lula e Dilma Rousseff. Era premente que se achasse uma explicação para a escandalosa corrupção, para o enriquecimento dos banqueiros, a ausência de reformas estruturais, para as espúrias alianças políticas, para as medidas antipopulares implementadas por Joaquim Levy, as falsas promessas eleitorais etc. 

A despeito da sagacidade de Lula, o PT viu-se completamente fora da realidade nas Eleições de 2018, pois, ao invés de explicar suas falhas, ele arvorou-se no direito inalienável de conduzir o campo progressista a um quinto mandato petista. Mais que isso: Lula acabou por transformar as Eleições de 2018 numa espécie de plebiscito acerca da sua inocência: se você acha que Lula é inocente, basta votar em Haddad para presidente. Possivelmente, este foi o seu maior erro político.

Há quem critique o temperamento de Ciro, bem como a sua extensa errância partidária, que, para alguns, seria um sinal de honestidade duvidosa. 

Na realidade, não há qualquer evidência de que o seu humor tenha comprometido a gestão pública no Ceará, da mesma forma que, no Brasil contemporâneo, fidelidade partidária não é sinônimo de competência e honradez basta mencionar os casos de corrupção ligados à cúpula do MDB na gestão de Michel Temer. Na verdade, poucos que criticam o ex-ministro realmente deram a devida atenção à sua fala crítica tanto ao neoliberalismo selvagem quanto à corrupção petista. Critica-se com base naquilo que circula na grande mídia acerca de sua personalidade vulcânica. Creio que, num país como o nosso, chafurdado na mais cancerosa corrupção que se tem notícia no mundo, encontrar um político como o ex-ministro Ciro Gomes, que afirma jamais ter respondido a um inquérito policial, é, sem dúvida alguma, um achado notável. Diante disso, seus rompantes são, na minha opinião, um mal menor.

Também não me interessa classificar Ciro Gomes no espectro político. Suas posições quanto às “reformas” neoliberais, como, por exemplo, a PEC do Teto dos Gastos, são mais reveladoras que categorias teóricas. 

Ciro é um político da vida concreta, ciente dos problemas reais do povo brasileiro, capaz de achar soluções para os mais variados problemas que enfrentamos. A despeito dos defeitos que possam ser encontrados aqui ou acolá, ele se destaca no atual cenário político. 

De fato, num momento que agrega o avanço do conservadorismo e o ocaso da esquerda tradicional, achar um político que rechaça ambos significa encontrar um novo caminho para o Brasil.

Entretanto, devo dizer que compartilho da análise feita por Jones Manoel em seu vídeo "Indústria 4.0 e soberania nacional". Só uma revolução socialista pode nos tirar da condição em que nos encontramos. Pois, o cenário político atual diverge, inteiramente, daquele que se viu no início da gestão Lula (2003-2010), quando uma parcela do empresariado aliou-se à cúpula petista, no intuito de viabilizar uma espécie de neodesenvolvimentismo à brasileira. 

Hoje, é impossível governar o país sem ir de encontro com as medidas impostas pela burguesia, pelo sistema financeiro e pelo imperialismo estadunidense, pois, esses mesmos atores políticos uniram-se para saquear o Brasil, impondo-lhe “reformas” que empobrecem a classe trabalhadora. 

Avanços civilizatórios conquistados ao longo de décadas pelos trabalhadores brasileiros, foram derrubados entre Agosto de 2016 e Agosto de 2021, ou seja, num espaço de cinco anos, de tal maneira que não resta outra alternativa senão a radicalização de uma nova esquerda, que contorne o petismo e seu legado de frustrações, liderando as massas para uma ferrenha e incontornável luta de classes.

É justo dizer que Ciro não personifica essa nova esquerda à qual estou me referindo, devido ao simples fato de que ele, assim como o petismo, é fruto (e defensor) do sistema político vigente, o qual é hostil a movimentos abertamente radicais e contestatórios. Ciro jamais fará a Revolução que tanto necessitamos. Ele não é um representante inconteste da classe trabalhadora, tal como fora Lula no passado. Ao contrário, seu movimento procede, ao meu ver, de uma pequeno-burguesia letrada, uma classe média socialdemocrata e alguns setores populares insatisfeitos com o PT. Não há nada de contestatório nesses segmentos da sociedade brasileira. Aliás, dificilmente seu discurso alcança as camadas mais vulneráveis da nossa população, o que talvez explique sua derrota em 2018.

No entanto, pode ser que o ex-ministro faça emergir (involuntariamente?) uma força política que seja crítica às tendências que nos conduziram até aqui: o desenvolvimentismo petista, o neoliberalismo antipopular de Fernando Henrique Cardoso e o conservadorismo hidrófobo de Bolsonaro. É possível que o político cearense dê início a algumas mudanças que desejamos tão desesperadamente, as quais o PT não ousou realizar: uma reforma tributária que pese sobre os mais ricos, um programa de renda mínima (claramente inspirada na proposta de Eduardo Suplicy), uma democracia mais participativa, uma política externa que defenda, em primeiro lugar, os interesses nacionais, uma política em defesa do meio ambiente, um combate intransigente contra a desigualdade social em nosso país, uma autêntica intolerância contra qualquer forma de corrupção política, uma Reforma Política à altura dos anseios populares, uma mudança no combate à criminalidade etc.

Ademais, ao contrário de Lula, que apostou, ao longo de treze anos, na cooptação, despolitização e imobilização das camadas populares — algo que agradou enormemente as classes dominantes —, Ciro aparentemente quer o contrário: a entrada das massas na política. Aqui, vale mencionar que o atual presidente vem fazendo esta aposta desde 2018, chegando ao ponto crítico em 7 de Setembro de 2021, quando colocou em xeque uma das mais importantes instituições da República Burguesa: o Supremo Tribunal Federal (STF). 

De fato, Bolsonaro não teme apelar às massas por mudança. Isso o difere de Lula. Na realidade, o capitão reformado sabe que só por meio de um movimento genuinamente popular será possível alcançar o que ele deseja: uma ruptura com o sistema político iniciado nos anos 1980. Pelo que parece, a esquerda petista teme entrar em confronto aberto com as classes dominantes, tanto por querer servi-las quanto por intuir que jamais conseguirá arregimentar as forças necessárias para uma contestação revolucionária.

Ciro deixa claro que os caminhos que trilhamos no passado já não nos serve mais. Os tempos são outros; as circunstâncias nas quais nos vemos envolvidos, se distinguem daquelas em que o PT e o PSDB se viram no início de seus respectivos mandatos. À medida que o tempo passa, uma parte significativa da população adere ao fascismo — sintoma de um regime político falido —, enquanto que a outra vai lentamente acordando para uma realidade dolorosa. A mera defesa de uma “civilidade política”, “do amor contra o ódio”, “da civilização contra a barbárie”, não dá conta. É preciso reconhecer que vivemos uma guerra de classes na qual a conciliação tornou-se, absolutamente, impraticável. Nesse cenário, uma aliança tática com Ciro viabilizaria, na minha opinião, a premente gestação de uma nova esquerda, mais politizada e nacionalista que aquela de Lula, e que vá bem além do que foi feito por PT, PSOL e afins.

Diante do marasmo em que se encontra a esquerda tradicional, vergonhosamente dependente de Lula e incapaz de superar a polarização política na qual nos encontramos, os brasileiros que buscam uma alternativa ao status quo, deveriam abrir mão de suas paixões pueris e ouvir o que Ciro Gomes tem a dizer. Um novo Brasil não só é possível: ele é incontornável.


Daniel Viana

© Todos os direitos reservados

Nenhum comentário:

Postar um comentário