Penso que a maior invenção dos últimos séculos foi a Internet. E me sinto honrado por viver nos tempos atuais, tendo acesso a dados que, em outras épocas, seriam completamente inalcançáveis às pessoas comuns. Em outros tempos, mesmo os homens e mulheres mais influentes teriam uma dificuldade tremenda em ter acesso a certos conteúdos, tais como livros, músicas, discursos etc., os quais, hoje, estão ao alcance de um clique.
Isso não é pouca coisa.
Munido de um computador, uma educação mínima e uma boa
conexão, uma pessoa pode ter acesso ao que nem os grandes filósofos, os
melhores estadistas e os mais renomados cientistas do passado tiveram: um
universo inesgotável de informação em inúmeras línguas, perspectivas críticas etc.
No futuro, os historiadores certamente definirão a nossa época como um divisor
de águas, tanto para o bem quanto para o mal.
Além disso, a visibilidade e autonomia que a Internet possibilitou, por exemplo, aos escritores iniciantes, é inteiramente inédita. No passado, a fim de se projetar a um público mais amplo, seria preciso que um artista se filiasse a um mecenas, cuja fortuna patrocinaria a sua obra — geralmente, o patrono não abriria mão de exercer um certo controle sobre o conteúdo e a estética a ser criada —, caso contrário, ele terminaria sendo uma figura à margem, preterida do cenário artístico, para sempre condenada à invisibilidade.
De fato, a Internet mudou tudo.
Agora, da mesma forma que um neófito pode
cair nas graças do público a qualquer instante, um artista genial e experiente,
que guardou a sua arte por toda a vida, devido à timidez ou à falta de um
mecenas, pode vir ao ciberespaço e apresentá-la ao público sem quaisquer
restrições. Dizem que "há muita porcaria na Internet", o que é
verdade, mas também não deixa de ser perceptível a extraordinária diversidade
de conteúdo, antes regulado ou refutado pelo patronato.
Com efeito, a Internet potencializa e reverbera as aptidões dos
seus usuários. Ela pode ser útil tanto a um criminoso quanto a um sujeito bem-intencionado, o que é preocupante, mas não adianta crucificar algo que
não passa de um veículo, uma ferramenta. É mais eficiente (e inteligente) fiscalizar
os suspeitos dentro dos limites impostos pela lei, ao invés de vigiar as
pessoas aleatoriamente e ilegalmente, recolhendo dados pessoais que servirão
tão somente como meio de espionagem e controle da sociedade pelo Estado e as classes dominantes.
Simplesmente condenar a Internet, não serve de muita coisa, pois, a espionagem não
só sempre existiu, como continuará existindo até o dia em que os cidadãos
decidirem mudar o Estado em si. Essa é uma questão que envolve a luta pelo Poder, de modo que ela mereceria uma análise mais detalhada em
outro texto.
Ademais, quando se trata do mercado de trabalho, é comum
ouvir críticas de que a Internet propiciou a implosão de certas profissões e
lugares, como, por exemplo, os taxistas, as livrarias e as locadoras de filmes.
Novamente, esta é uma crítica que não toca no ponto fundamental.
Avanços
tecnológicos sempre implicaram em profundas transformações na sociedade, o que,
necessariamente, inclui a Economia: o automóvel aposentou as carruagens, a luz elétrica aposentou os acendedores de lampião e, ao que tudo
indica, a inteligência artificial aposentará os caminhoneiros. Nesse caso, o mais
adequado não é travar o progresso tecnológico, tão necessário à Humanidade, mas
gerir a sociedade de modo que os desempregados, caso não possam ser realocados para
outro setor da Economia, recebam algum tipo de renda mínima — semelhante à
proposta de Eduardo Suplicy —, que forneça segurança econômica às suas
famílias. Para tanto, faz-se necessário uma luta política organizada, no
intuito de que a classe trabalhadora e os mais pobres não fiquem ao deus-dará.
Este seria, sem dúvidas, o pior cenário.
A Internet mudou as nossas relações interpessoais? Certamente. Mas ainda é difícil definir, de modo categórico, se foi pra melhor ou pra pior. É preciso um pouco mais de tempo, dado que a minha geração foi a primeira que viveu a transição do mundo analógico para o digital ao mesmo tempo em que amadurecia — a Internet móvel foi, à época, algo inteiramente novo para todos nós —, enquanto que as gerações mais novas, especialmente aqueles que nasceram na década passada, já cresceram à sombra da Internet. Sabe-se que ela não só permite que indivíduos introvertidos encontrem seus pares, como também pode se tornar uma zona de conforto inóspita e tóxica para outros.
Enfim, como dissera
antes, a Internet amplifica o que temos em nós mesmos. Não é por acaso que
checar o histórico de navegação de uma pessoa, de certo modo, pode acabar se
tornando uma viagem pela sua mente.
A despeito das qualidades supracitadas, está se tornando
cada vez mais habitual encontrar críticas tanto à Internet quanto às redes
sociais — algumas delas condenam a Internet por inteiro, como se esta fosse uma
espécie de porão sombrio, um lugar perigoso, onde as "crianças
comportadas" não deveriam entrar. Isso vem ocorrendo especialmente após
a constatação, por parte de algumas pessoas recém-chegadas ao ciberespaço, de
algo que se percebia há tempos: a fortíssima presença da direita (e
extrema-direita) no mundo virtual. Essa presença do conservadorismo foi ainda
mais reforçada pela ausência da esquerda, que muitas vezes preferiu voltar suas
atenções às mídias tradicionais.
Pretendo fazer uma crítica às redes sociais em um momento
mais oportuno, no entanto, quero deixar claro que criticar a preocupante tendência
que algumas delas têm em formar bolhas comunitárias de sujeitos ressentidos, é
totalmente diferente de assumir um posicionamento visceralmente contrário em
relação à Internet. Haja vista que as redes sociais são meramente um fruto tardio, um
desdobramento recente de algo muito maior, e não a Internet por inteiro — mesmo
que alguns teimem em passar a maior parte do seu tempo exclusivamente nas redes
sociais. Ainda assim, prefiro adiar o resto dessa pequena análise pra depois.
Por enquanto, deixo registrado o meu apreço e gratidão por esse imenso cosmo
virtual que tanto me ajudou. Muito mais poderia ser dito acerca de cada tópico
mencionado, contudo, penso ter dado um quadro geral do que penso a respeito.
Daniel Viana
Publicado em 29 de Setembro de 2019
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