As mais severas dúvidas acompanham a
vida das mentes atordoadas e lúcidas, dos seres sublimes e triviais, das almas
de inefável candura, assim com aquelas, terrivelmente, pérfidas e imorais; por
mais que os homens se arvorem em convicções e teses dogmáticas,
não lhes será permitido o repouso eterno no berço das certezas banais.
Pois,
de tempos em tempos, somos invariavelmente expostos ao próprio fracasso, atingidos
pela mais profunda frustração. Percebemos que a nossa visão alcança somente uma
parte do caminho a ser percorrido, de modo que, para ir além, precisamos deixar
de lado muito do que nos guiou e redescobrir um novo caminhar para a jornada
que surge à nossa frente. Refazer-se por completo; recriar-se por inteiro. É
isso que nos exige a existência.
Quanto
maior for sua resistência perante os processos de transformação, maior será o
sofrimento em dar à luz uma nova criatura. A rigidez daquele que nega as
demandas de um renascimento nesta vida, acaba por se tornar a causa de um
sofrimento sem-fim e a fonte de um seríssimo entrave pessoal. É duro reconhecer
a urgência da mudança, porém ignora-la nos envenena, nos aprisiona e nos
atormenta profundamente. Assim, é absolutamente normal que muitas lágrimas
venham a escorrer pela nossa face nos dias vindouros, aceitemos isso ou não.
Porém,
há algo que sobrevive às crises e passagens, aos traumas e desenganos. Nisso
está aquilo que nos é mais íntimo, sincero e precioso, e que devemos buscar, a
fim de realizarmos o que, de fato, somos. Sem essa realização, sentiremos que a
nossa vida — tão rara e passageira — foi em vão, que fomos derrotados pela própria
displicência. Para tanto, resta-nos enfrentar o medo de agir. Certamente, a
insegurança nos assombrará de inúmeras formas, tal como ocorrera com todas as
gerações passadas, pois ela é nossa companheira, nossa fiel acompanhante ao
longo de toda a estrada. Senti-la, nos fará mais humanos e menos arrogantes.
Ora,
eu sempre soube que devia me debruçar sobre o papel com caneta à mão, tornar-me
um escritor de ficção, um criador de universos, um inventor de personagens. Ao
mesmo tempo, assumir uma profissão que fosse meu ganha-pão, foi um percurso solitário,
árduo e, às vezes, angustiante. Nunca me vi trabalhando em alguma carreira
tradicional, isto é, advogado, médico, engenheiro etc., de modo que levei anos
para chegar a algum lugar, mas, me ver como um artista das letras, foi
constitutivo desta existência que carrego. Houve vezes em que larguei de
escrever, é verdade, mas sempre dei meia-volta, pus de lado o que me
atrapalhava, e voltei a dar à luz uma literatura própria. Disso, eu nunca me
arrependi.
Agora,
compreendo que sou um humanista não apenas pelo completo e precoce desinteresse
pelas chamadas ciências exatas, mas também por uma atração íntima pela
subjetividade humana, por aquilo que emerge do seu interior nas formas mais
variadas de explosão feérica e de criatividade pulsante. A despeito de
quaisquer dúvidas, esta certeza sobreviveu às mais intensas mudanças da minha
história pessoal. Ainda que a minha compreensão do que seria a Literatura — e do
que seria eu mesmo enquanto escritor — mudasse com o passar do tempo, algo se
mantinha vivo em mim. É possível que fosse uma missão individualista, ou uma ambição
de se destacar em meio à multidão anônima, mas, ainda assim, havia algo a mais.
É graças a essa força, que ainda não sei nomear, que eu pude chegar até aqui:
escrevendo e publicando textos neste oceano chamado de internet.
Não sei a quem devo esse gosto pelas
Humanidades. Ao ambiente familiar, devo muito do que sou, mas as raízes não dão
conta de explicar nem parte dessa história. Tenho parentes que não compartilham
das mesmas preferências, a despeito de termos tido uma infância inteira juntos,
com tristezas e alegrias tão próximas. Nós podemos debater e apreciar certos
artistas e suas obras, contudo, em algum momento, cada um escolherá seu caminho,
posicionando-se à parte, longe dos demais. A família é a origem, mas sua
influência se desvanece à medida que os anos passam. Podemos retornar a ela em
certos momentos, porém os avós morrem, em seguida, os pais e os tios e, depois,
os irmãos mais velhos, até que nos resta nada além de nós mesmos e as memórias
que sustentamos conosco. Ao final, teremos de andar com as nossas pernas e
descobrir a nossa voz, tal qual o fizemos na primeira infância, porém sem nenhuma
garantia de gracejos e aplausos.
Reconheço
que, falar de si mesmo, denota em mim um certo grau de soberba. Além disso, há
que se registrar que ninguém anda lendo este blog, o que, às vezes, me dá algum alívio. Pois, quero que a porta
ao meu mundo interior mantenha-se fechada às almas fúteis; quero que nada
chegue àqueles olhares adestrados pelo apelo convencional; quero que se danem
às valas do inferno os amantes das mesmices, das conversas permeadas por
mediocridade; quero me livrar de tudo que carrega consigo o comodismo frívolo do
olhar alheio.
Assim,
tenho feito textos sem a preocupação de divulga-los, pois os vejo como ensaios
de algo maior e melhor, algo que, talvez, comece a dar as caras no ano que se
aproxima. No entanto, não posso assegurar nada, haja vista os fracassos em dar
fim a projetos anteriores: romances abandonados; histórias inconclusas; contos
atrofiados; ensaios de meia linha.
Falta-me,
sobretudo, disciplina, mas sei que me aproximo, um dia após o outro, de algo
novo, algo mais próximo de um ideal de beleza que ainda não sei
explicar numa linguagem corriqueira, e nem me preocupo se um dia saberei
explicar, pois o meu objetivo é confundir a cabeça, deixa-la desnorteada, ao
invés de te vender a ideia de que sei de alguma coisa nessa terra louca que não
para de rodar, rodar e rodar…
Daniel Viana de Sousa
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