quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Livros lidos em 2023

 


         Quando mais um ano se encerra, algo nosso acaba deixado para trás; são dezenas e dezenas de alvoradas e noitadas que acabam pela estrada do rotineiro, do nosso mundinho habitual, que construímos, seja por vontade própria, seja às cegas, até chegarmos aqui e nos dispormos a dar uma olhada rápida para a estrada que se encerra. Afinal, de uma forma ou de outra, essa estrada se esgotará. Nada em nosso mundo foi feito para ser eterno, a menos que você confie na existência de Deus.

Neste texto, apresentarei alguns encontros, ansiosamente, aguardados desde o início de 2023, bem como aquelas surpresas que nos dão um sabor diferenciado para cada dia que experimentamos viver de verdade — aqueles lapsos de deslumbramento em meio à vida repetitiva e sem graça do ser humano contemporâneo. Afinal, somos todos marcados pela incógnita do evento inesperado, por aquilo que nos alcança de súbito e que mal sabemos explicar direito o seu porquê em nossas jornadas. Sem dúvidas, alguns dos melhores encontros literários que tive me pegaram de surpresa, como um espectro que ronda a margem dos canais fétidos, coberto de um negrume impenetrável e apavorante.

Em geral, quando um ano se inicia, eu não planejo os livros que tentarei ler. Ao contrário, busco, ao máximo, ser guiado pelo instinto pessoal, pela bússola da minha própria alma. Sei bem que toda essa subjetividade é, no que diz respeito à minha formação, uma escolha problemática. Pois, um ficcionista deve ler ficção até onde sua obstinação puder leva-lo, até onde as pestanas forem capazes de se manterem de pé, e, tendo em vista que o nosso tempo é limitado, passar os dias lendo dezenas de ensaios marxista-leninistas é contraproducente. Em suma, há muita Literatura à espera da nossa atenção, muitos autores e autoras de elevadíssimo calibre que nos exigem um estudo atento e demorado.

De fato, sei que li menos que o minimamente necessário. Logo, devo reconhecer que, nesse momento, encontro-me numa posição de momentânea derrota, tendo em vista que, há alguns anos, eu me apresento como artista das letras, alguém que a posteriori se confirmará como autor de inovações — reconhecidas ou não —no campo da escrita ficcional em Língua Portuguesa. Pois, para se concretizar um êxito dessa envergadura, há que se esforçar com disposição hercúlea ao longo de dezenas de anos, com a diligência de um Sísifo dos trópicos, sem temer contemplar a pedra despencar ladeira abaixo mais uma vez.

Enfim, cinquenta livros lidos por ano — tendo em vista tudo que ficará de fora — é uma meta razoável para quem se dedica profissionalmente à Literatura. Aliás, para um ficcionista, ler cinquenta livros de ficção é ótimo, mas ele também deve investigar outros materiais que enriqueçam seu estilo e cosmovisão, como biografias, teoria literária e história, o que complica sua rotina ainda mais. Somos limitados por inúmeras obrigações e defeitos, como a falta de atenção necessária para concluir a leitura de um calhamaço mastodôntico, que, curiosamente, sempre nos deixam uma saudade danada. Por fim, alguns dizem que não é a quantidade de livros lidos que realmente importa, mas a qualidade daquilo que se lê e de como se lê. Mas não entrarei nessa discussão agora.

Não duvido que a falta de sistematização na leitura tenha consequências negativas para a formação do aspirante à ficcionista. Entretanto, até hoje, eu pude ser abrangente sem me perder por completo nas brumas dessa vida solitária. E olhe que nunca foi tão fácil se desorientar no mar tempestuoso da internet, agitado dia e noite por futilidades e esquisitices, absolutamente, dispensáveis e esquecíveis. Hoje, somos todos convidados a desperdiçar nosso tempo com as mais estultas banalidades concebíveis, e nunca foi tão árduo desenvolver a atenção plena naquilo que se está a fazer. Ainda assim, ao concluir uma leitura, tenho me permitido sair um pouco pra fora da curva nas escolhas dos livros. Como disse antes, um escritor precisa abrir asas o máximo que puder.

Pois, todo escritor precisa manter viva sua curiosidade: uma espécie de voracidade pelo que ainda não lhe veio, como se, dessa novidade, brotasse o poder de abrir portas inatingíveis por outros meios, isto é, uma compreensão maior daquilo que antes era entendido por uma perspectiva estreita, típica de um principiante nos meandros literários. Com efeito, ao nos dispormos a receber a vida em sua totalidade, terminaremos atingidos por todos os lados, por todos os ângulos e particularidades visíveis e invisíveis, até acabarmos nos tornando o que somos hoje, de tal maneira que construímo-nos a partir do que lemos, ouvimos e saboreamos. A princípio, podemos duvidá-lo, mas o tempo e a vivência do cotidiano se encarregará de nos mostrar o indisfarçável peso das nossas escolhas literárias. Em certos casos, a própria escolha de não ler absolutamente nada, trará à tona, da pior maneira possível, os resultados dessa infeliz decisão.

Eis, então, a lista dos livros lidos por mim em 2023:

 

1.      Crônicas Escolhidas, Machado de Assis (Penguim-Companhia);

2.      Van Gogh - A vida, Steven Naifeh e Gregory White Smith (Companhia das Letras);

3.      As flores das flores do mal, Guilherme de Almeida e Charles Baudelaire (Editora 34);

4.      A tradução como manipulação, Cyril Aslanov (Perspectiva);

5.      A personagem de ficção, Antônio Candido, Anatol Rosenfeld, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes (Perspectiva);

6.      O pássaro secreto, Marilia Arnaud (Editora José Olympio);

7.      Cândido, Voltaire (Antofágica);

8.      Novo mundo nos trópicos, Gilberto Freyre (2ª Edição - Universidade);

9.      Guia do estilo de vida do Boddhisatva, Shantideva (Tharpa);

10.  Tesouros do Pico do Junípero – Padmasambhava (Lúcida Letra);

11.  Formação social da mente, L. S. Vygotsky (Martins Fontes);

12.  A segunda Guerra Fria, Moniz Bandeira (Civilização brasileira);

13.  As últimas testemunhas, Svetlana Aleksiévitch (Companhia das Letras);

14.  Vozes de Chernobyl, Svetlana Aleksiévitch (Companhia das Letras);

 

 

Daniel Viana de Sousa

© Todos os direitos reservados

Nenhum comentário:

Postar um comentário