Vejo
olhos cansados por onde passo. No rápido encontro que tive com um amigo do
trabalho, percebi um olhar meio baço, quase opaco, ombros caídos e um papo de
que tudo no Brasil estava errado; logo em seguida, na conversa que troquei às
pressas com um jovem desempregado, um murmúrio iracundo se elevava da sua voz e
atirava balas contra tudo, e uma aspiração iconoclasta era sugerida, meio que
aos sussurros, por medo de que a vigilância se desse conta daquela subversão
marxista-leninista, de modo a nos prender e fuzilar à beira de uma vala
qualquer, pois, agora, valia tudo contra o povo exausto, totalmente espoliado,
como sempre, do seu direito à paz, à terra e ao pão; um pouco depois, reparei
na presença de uma moça altiva, ela estava sentada ao nosso lado, vestida de
negro e púrpura, segredando à sua amiga como resistir ao desencanto, como não
ter aquele vislumbre desamparado, sempre direcionado ao vazio áspero do
asfalto, ao escuro do petróleo, que era entrecortado somente por carros em
sentidos contrários, rápidos como animais enfurecidos e desenfreados.
Sem demora, surgiu à nossa frente uma
turba, um horda furibunda, uma malta alucinada, avacalhando com tudo, mesmo que
sem conteúdo, fazendo-se valer apenas da pura violência; eles estavam
uniformizados, fardados à moda brasileira, como uma só torcida futebolística
que (aparentemente) visava tão somente o bem coletivo; no entanto, aqueles que
preservavam o olhar acurado, o devido respeito à coerência discursiva, o
distanciamento analítico (tão necessário ao bom juízo em nossos dias), sabiam
que ali estava uma gente à beira da sandice, dando mostras, por meio de seu
discurso, de uma indiscutível demência; eles falavam da volta de Sebastião, da
vinda de um frota norte-americana, da malhação do Judas e assim por diante.
Quando percebi que não tinha como ser ouvido, que não valia a pena gritar à
toa, simplesmente me levantei e me retirei sem grandes saudades, sendo seguido
pelos meus amigos que não se faziam valer à força, pois a vida é curta e vale a
pena ser vivida agora. Tudo isso numa boa, como dizem os surfistas.
Esse breve momento que acabo de
narrar, tão célere e agitado quanto um pôr do sol que naufraga na linha do
horizonte chamuscado, ocorreu, há alguns meses, para milhões. Foi uma
experiência coletiva, digamos assim; um dia em que cada um cumpriu à risca o
protocolo pré-programado: uns votaram nesse ou naquele partido, dando fim ao
seu desejo tão longamente ansiado. Hoje, dá pra perceber em que enrascada
nos metemos, não é mesmo? Até com a França a gente anda brigando, cara. E dizem
que alguns da turba alucinada já mudaram de lado, mas o que eu acredito mesmo é
que tudo há de passar, inclusive o infame desmiolado que se sentou à mesa com o
Pentágono. Enfim, cabe aqui um último aviso, numa espécie de breve anedota,
evidentemente pensada antes que o ódio político venha à tona: este é (em parte)
um texto ficção que se inspirou nos dias que vivemos, nas tardes modorrentas de
um verão sombrio que ainda não acabou. Vida longa ao Brasil! Vida longa ao povo
brasileiro! E salve-se quem puder…
Daniel Viana
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Publicado em Agosto de 2019
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