Como
é bom sentir na boca rósea a presença firme da tua forma; em cada curva dessa
enseada morna, o gosto da uva me deixa eriçado; é nesse jeito áspero com que a
tua língua me roça, aberto à fantasia da paixão que é só nossa, que o homem se
descobre completo na mulher que o toca. É por isso que a ilusão da tua cópia,
esse arremedo ajustado à moda, é cilada farsesca, é mentira a ser lançada fora;
tal como a rosa prometida na véspera, a projeção luminosa da tela é sempre uma
realidade inóspita.
Lembre-se quando estamos a sós, degredados a se amar no sigilo secreto
do teu quarto: tua voz se torna o meu pior algoz, a cada som que se ergue,
sempre num tom mais veloz; e quando a maciez dá lugar ao gemido mais feroz,
rompe em nós, sem que se fira, a fera felina mais atroz, cuja faísca é, com
certeza, essa nossa "paixão imprópria", essa tal "fome
repentina", ou, se preferir, a "condição primitiva" que enlaça
as carnes ansiosas por arder… E se esquecermos o que vem após, o dia que
se segue ao encontro veloz, é possível que tudo isso dure um pouco mais, é possível
que a eternidade se faça presente em meio a nós.
Pois bem… sempre que o meu corpo se encontra ao teu, nas tardes tórridas
em que ardes com chama própria, tendo meu ventre colado à tua carne, onde se
cultua para que a vida se encarne, minha força contida jorra tal como aço
ardente em tua forma. Pois quando me enlaço no seu afago, no espaço íntimo aos
amantes reservado, é que me descubro masculino apaixonado; antes, no reduto solitário,
sou apenas falo. Ah, e como me corrói essa dor! Ela me atravessa pelo talo do
meu ser! O fato de estar ilhado sem você, é como vagar afastado por um deserto escaldante,
tendo apenas a promessa de um futuro ao teu lado.
Diante das farsas postas em lugar do tato, eu faço essa pergunta:
quem nunca se sentiu à deriva? quem nunca se viu à parte? Muitos já se
acostumaram, é verdade, mas, por um tempo, eu achei difícil tirar os olhos do
teto, acreditei ser impossível recolher as lágrimas do chão do meu quarto;
acabei ficando à espera da vida, mas tudo acabou sendo em vão. Aos que chegavam
perto de mim, sempre aos beijos e abraços, eu dizia: "Não prove do meu
veneno. Estou necrosado por dentro. Nada mais me alegra, nem mesmo o passar do
tempo".
Esse mundo sem contato qualquer, exceto o inquieto clique imediato,
revela um rosto exato à minha frente, retrato de um mundo aparente, cujo único
ato é um tique carente por espaço. Quero que você atente à essa geração
ausente: quem era parte do presente, rolando seus corpos de criança na areia
quente da praia, dando forma aos seus castelos no lodo mole, esvaiu-se de
repente. Às vistas do céu, no suave toque da terra e do mar, éramos todos uma
só gente; agora, estamos ensimesmados, voltados ao próprio umbigo, como se o
mundo se resumisse a um perfil no ciberespaço.
Portanto, ao invés do reflexo inerte, deixe em mim um toque macio, ainda
que breve, antes que algo nos leve pra longe do mesmo destino, pra onde só
reste um suspiro solto no ar; pois somos feitos para amar com toda verve, pra
viver à flor da pele. Quebre a frieza desse espelho que promete ser você, que
almeja reluzir o próprio ser! Tanta luz não pode se resumir a uma bateria vulgar, e já
não há lápide melhor para a morte do amor que a tela de um celular. Baby, nada
disso há de perdurar! Quero um encontro contigo, quero te ver e te abraçar,
quero sair pra falar no teu ouvido… não há porque esperar.
Daniel Viana
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Publicado em 24 de outubro de 2019
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