Queria ter escrito antes que a
memória se perdesse: seu sorriso naquele momento não deve ser esquecido, Baby. Não me perca entre as palavras,
pois o silêncio entre elas é a porta que você deve usar; e mesmo que tenham nos
convencido a falar de amor, saiba que aquele sorriso expressa tudo que há para
se contar. Então, repita-o sem vacilo sempre que precisar entrar em mim, e
fantasiar, em asas de serafim, minhas noites com sua presença; contido nele está
a essência da minha busca sem fim. Nada precisa ser dito, Baby, nenhum esforço demasiado. Apenas
contorne o palavreado.
Às custas da noite inteira, expressei
minha ânsia por uma companheira num mundo em convulsão e, de alguma maneira,
você sabia que a melhor palavra não traria o mesmo que a sua alegria. Encontramos
a ponte que nos une; e percebemos que somos, com toda certeza, uma mesma fonte
que reúne corpos dispostos a queimar. Ah, sinto o calor agora, nas veias do pescoço
e nas fantasias da imaginação, mas meus olhos, perdidos no espaço, são vagos na
lembrança desse passado. Divago pelo escuro do quarto, tateando à procura da forma
com que memória se torna relato.
É duro como o tempo esmaece a cor
das flores em sua Primavera; seu castigo cai sempre nas lembranças mais
singelas, deixando à espera minhas feridas abertas. Ainda sinto a dor da
infância; ainda choro a perda da criança; enquanto olho à distância teu sorriso
perder toda substância. E, à medida que o tempo avança, Baby, vejo a esperança no futuro valer menos a cada dia que um
homem não alcança o que tive com você. Às vezes, penso em salvar as coisas que
um dia pudemos viver, mas algo em mim parece dizer: "É para que percebas o
momento acontecer; é para que vivas, ao invés de reter".
Estar à procura do passado com você,
é como vagar no cosmo estrelado, com luzes que já estão a morrer: tão logo acabo
por ver, percebo o inato vazio de não ter aonde pisar. São nebulosas além do
alcance as formas com que tudo parece acontecer: mesmo que seja belo reviver
cada instante, só de relance é possível descortinar seu contorno distante. No
fim, tudo gira em espirais que não posso conter: lembranças faiscantes, porém
fadadas a se distanciar, até um buraco tragar sua forma eternamente. Então,
devo contar aquilo que der numa poesia sem verso, mas em excesso de tudo por
você, Baby.
Sentados à sombra da noite, quando o
verão nos convida a procurar motivos para se encontrar, não encontramos outra
língua que pudesse falar o que queríamos dizer. Fizemos o mesmo que todos os
casais. Acabamos trocando detalhes sobre nós, como cantos de sereias em pleno mar:
ouvidos por ondas que acabam por se esgotar, sentidos sem espaço para permear. Há,
finalmente, quem nunca se acomoda ao mesmo prazer; cujo espírito curioso não
precisa de algo por acontecer, de voar em busca do futuro por medo do presente.
É isso, Baby, que faz tudo em você
ser diferente, e que não tira o teu sorriso da minha mente.
Estava distraído com tudo que
passou, quando sua mão deslizou por detrás do rosto, sentindo o cabelo solto,
algo que traz conforto durante o toque dos olhares; e, num mero instante, todo
seu semblante veio a brilhar. Nada foi mais vibrante do que estar naquele lugar.
Mesmo assim, tudo em volta teimou em te ignorar. Coube a mim antever nessas
palavras a forma de preservar o que não se pode rever. Ante esse gesto fugaz,
minha arte veio finalmente a nascer; em meio ao teu corpo, somente contentar é um
dever. Baby, minha escrita serve à
preservação do que ainda nos resta: mulheres cuja presença nos leva à
transformação.
Esse sorriso me desperta para um
amor que não pode ser ensimesmado, muito pelo contrário, sua única meta é
ver-se doado à pessoa amada. Na hora certa, tudo em mim pareceu desaguar em mar
aberto, de modo que essa crônica pode afundar numa loucura sincera. Ser tão
aberta assim, é de uma coragem que a poucos se revela, pois é incerta a vida em
seu caminhar, nunca saberemos quem se aproxima para nos partir e quem veio para
nos amar. Portanto, ao invés de acabar apegado, resolvi plantar esse amor no
meu lado esquerdo. Está anotado o teu conselho, que, ao contrário do meu, não
requer tanta conversa.
Já vaguei a esmo minha vida inteira;
estive à procura daquilo que vivi numa noite à sua maneira: uma mulher que me
acolha no coração, sem medo de ser uma flecha certeira. Portanto, antes que toda
memória se perca, receba essa crônica e tenha certeza em si mesma; antes que sua
alegria se torne passageira, numa correnteza que arrasta nossas vidas para um
mundo que a entristeça. Mesmo que uma faca fria percorra a memória que te faz
sofrer, nunca se acomode em ver seu sorriso esvaecer. Saiba que nada pode me
magoar, Baby, a menos que você se esqueça
de si mesma.
Daniel
Viana
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Publicado em 18 de Outubro de 2019
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