sábado, 9 de maio de 2020

Nada pode me magoar, Baby



       Queria ter escrito antes que a memória se perdesse: seu sorriso naquele momento não deve ser esquecido, Baby. Não me perca entre as palavras, pois o silêncio entre elas é a porta que você deve usar; e mesmo que tenham nos convencido a falar de amor, saiba que aquele sorriso expressa tudo que há para se contar. Então, repita-o sem vacilo sempre que precisar entrar em mim, e fantasiar, em asas de serafim, minhas noites com sua presença; contido nele está a essência da minha busca sem fim. Nada precisa ser dito, Baby, nenhum esforço demasiado. Apenas contorne o palavreado.

            Às custas da noite inteira, expressei minha ânsia por uma companheira num mundo em convulsão e, de alguma maneira, você sabia que a melhor palavra não traria o mesmo que a sua alegria. Encontramos a ponte que nos une; e percebemos que somos, com toda certeza, uma mesma fonte que reúne corpos dispostos a queimar. Ah, sinto o calor agora, nas veias do pescoço e nas fantasias da imaginação, mas meus olhos, perdidos no espaço, são vagos na lembrança desse passado. Divago pelo escuro do quarto, tateando à procura da forma com que memória se torna relato.

            É duro como o tempo esmaece a cor das flores em sua Primavera; seu castigo cai sempre nas lembranças mais singelas, deixando à espera minhas feridas abertas. Ainda sinto a dor da infância; ainda choro a perda da criança; enquanto olho à distância teu sorriso perder toda substância. E, à medida que o tempo avança, Baby, vejo a esperança no futuro valer menos a cada dia que um homem não alcança o que tive com você. Às vezes, penso em salvar as coisas que um dia pudemos viver, mas algo em mim parece dizer: "É para que percebas o momento acontecer; é para que vivas, ao invés de reter".

            Estar à procura do passado com você, é como vagar no cosmo estrelado, com luzes que já estão a morrer: tão logo acabo por ver, percebo o inato vazio de não ter aonde pisar. São nebulosas além do alcance as formas com que tudo parece acontecer: mesmo que seja belo reviver cada instante, só de relance é possível descortinar seu contorno distante. No fim, tudo gira em espirais que não posso conter: lembranças faiscantes, porém fadadas a se distanciar, até um buraco tragar sua forma eternamente. Então, devo contar aquilo que der numa poesia sem verso, mas em excesso de tudo por você, Baby.

            Sentados à sombra da noite, quando o verão nos convida a procurar motivos para se encontrar, não encontramos outra língua que pudesse falar o que queríamos dizer. Fizemos o mesmo que todos os casais. Acabamos trocando detalhes sobre nós, como cantos de sereias em pleno mar: ouvidos por ondas que acabam por se esgotar, sentidos sem espaço para permear. Há, finalmente, quem nunca se acomoda ao mesmo prazer; cujo espírito curioso não precisa de algo por acontecer, de voar em busca do futuro por medo do presente. É isso, Baby, que faz tudo em você ser diferente, e que não tira o teu sorriso da minha mente.

            Estava distraído com tudo que passou, quando sua mão deslizou por detrás do rosto, sentindo o cabelo solto, algo que traz conforto durante o toque dos olhares; e, num mero instante, todo seu semblante veio a brilhar. Nada foi mais vibrante do que estar naquele lugar. Mesmo assim, tudo em volta teimou em te ignorar. Coube a mim antever nessas palavras a forma de preservar o que não se pode rever. Ante esse gesto fugaz, minha arte veio finalmente a nascer; em meio ao teu corpo, somente contentar é um dever. Baby, minha escrita serve à preservação do que ainda nos resta: mulheres cuja presença nos leva à transformação.

            Esse sorriso me desperta para um amor que não pode ser ensimesmado, muito pelo contrário, sua única meta é ver-se doado à pessoa amada. Na hora certa, tudo em mim pareceu desaguar em mar aberto, de modo que essa crônica pode afundar numa loucura sincera. Ser tão aberta assim, é de uma coragem que a poucos se revela, pois é incerta a vida em seu caminhar, nunca saberemos quem se aproxima para nos partir e quem veio para nos amar. Portanto, ao invés de acabar apegado, resolvi plantar esse amor no meu lado esquerdo. Está anotado o teu conselho, que, ao contrário do meu, não requer tanta conversa.

            Já vaguei a esmo minha vida inteira; estive à procura daquilo que vivi numa noite à sua maneira: uma mulher que me acolha no coração, sem medo de ser uma flecha certeira. Portanto, antes que toda memória se perca, receba essa crônica e tenha certeza em si mesma; antes que sua alegria se torne passageira, numa correnteza que arrasta nossas vidas para um mundo que a entristeça. Mesmo que uma faca fria percorra a memória que te faz sofrer, nunca se acomode em ver seu sorriso esvaecer. Saiba que nada pode me magoar, Baby, a menos que você se esqueça de si mesma.

Daniel Viana
© Todos os direitos reservados
Publicado em 18 de Outubro de 2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário