As
Eleições de 2018 foram, indiscutivelmente, as mais conturbadas da democracia
brasileira.
De um lado, apresentou-se o fanatismo bolsonarista, inflamado pelo
atentado do dia seis de Setembro, enquanto que do outro lado estava a
candidatura petista, mais concentrada em provar a inocência de Lula do que em apresentar um novo projeto para o país. Tragicamente
presos a esta díade, os brasileiros optaram por uma guinada à direita.
Excetuando-se
Ciro Gomes, o centro político colapsou eleitoralmente, tal como se viu nas
votações do PSDB, de Marina Silva e outros candidatos à presidência.
O Brasil
estava (e ainda continua) rachado em pólos opostos.
Esta
polarização não é nova, tampouco é exclusivamente brasileira; no Brasil, ela vem
sendo gestada desde os tempos em que Lula era presidente, intensificando-se a
partir dos penosos anos de recessão econômica e da crise política deflagrada
pela operação Lava-Jato.
Aos poucos, as opções para o Brasil foram se limitando
a um passadismo ilusório e um conservadorismo hidrófobo. O fanatismo e a
imbecilidade chegaram a tal ponto que, defender um lado, tornou-se sinônimo de antagonizar
visceralmente com o outro. Do mesmo modo, fazer uma sincera crítica ao PT,
passou a significar uma adesão imediata ao discurso bolsonarista e vice-versa,
de modo que, neste texto, não perderei meu tempo explicando se sou reacionário,
liberal ou comunista. Que cada um tire as suas conclusões.
Na
verdade, se levarmos em conta o cenário socioeconômico no qual o Brasil está
mergulhado — quatorze milhões de desempregados, seis milhões de desalentados,
dezenas de milhões na informalidade etc —, perceberemos o quão urgente é a experiência,
a coerência, a idoneidade e a sobriedade tanto na prática quanto no discurso.
Não
há mais espaço para messianismo, voluntarismo e personalismo, haja visto estarmos na
mais profunda crise da nossa história.
É preciso um projeto nacional para que o
país supere suas contradições históricas; é preciso deixar de lado discussões periféricas e
ir ao cerne dos nossos problemas. Para tanto, espero que os meus leitores se
abstenham de paixões momentâneas e preferências partidárias.
Desde
2015, quando começou a se evidenciar a debacle petista, passei a acompanhar as
palestras e entrevistas do presidenciável Ciro Gomes. Por vezes, isolei-me no
meu quarto, ouvindo, pacientemente, as suas falas em diversas universidades
brasileiras. Não me arrependo do tempo que gastei escutando as falas do
ex-ministro. Seu diagnóstico da crise política, econômica e social brasileira
era algo novo para alguém que não tivera qualquer formação política que fosse
além do senso comum. Admito que ainda sou um neófito no que diz respeito aos
problemas concretos da nossa sociedade.
Para
alguém que sempre votou no progressismo brasileiro, Ciro Gomes estava longe de
ser a única opção no pleito de 2018. Havia, por exemplo, Guilherme Boulos e
Marina Silva, candidatos dignamente alternativos à candidatura petista. Contudo,
a posição de Ciro destacava-se em relação às demais por fazer uma dura crítica
ao passado recente sem cair no conservadorismo hidrófobo e semiletrado, ao
mesmo tempo em que projetava, de maneira genuinamente sóbria, meios e objetivos
que, se concretizados, poderiam mudar significativamente o cenário
socioeconômico brasileiro. Em outras palavras, Ciro não se limitou a criticar
os adversários, mas também propôs um caminho para sairmos do atoleiro. Além
disso, a sua notável carreira política fazia com que ele se apresentasse como um
eficiente gestor da máquina pública, algo que o atual presidente não pode reivindicar
para si. Para aqueles que rejeitariam a eleição de um aventureiro, Ciro Gomes
seria a perfeita antítese de Bolsonaro.
Enquanto
isso, os arautos do petismo, simplesmente, não buscaram a juventude
universitária a fim de prepara-la para os difíceis tempos que se avizinhavam
para todo o país. Apostava-se no passadismo, no personalismo mais rasteiro, na
simplificação grosseira de problemas estruturais — alocados na Economia, na governança
política, na Educação, na Saúde e assim por diante —,
os quais, claramente, exigiam um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento para
o Brasil (PND).
Ciro
Gomes conseguiu demonstrar que, no decorrer de mais de trinta anos da nova
democracia brasileira, passando pela governança das mais diversas siglas e
personalidades políticas, o Brasil andava às cegas, sem prumo, perdendo mais uma
vez o bonde da história. Ele não depreciou as conquistas obtidas por seus
antecessores, tais como o Plano Real e o significativo aumento de renda da
classe trabalhadora, mas foi preciso em atestar que tais avanços eram
insuficientes para alcançarmos a prosperidade justa e necessária para o povo brasileiro,
em especial os mais pobres.
Era indiscutivelmente notável a lucidez crítica de
Ciro Gomes.
De
fato, após treze anos de governo e quatro eleições presidenciais, ao PT só
restava dar explicações quanto aos erros cometidos nas gestões de Lula e Dilma
Rousseff. Era premente que se achasse uma explicação para a escandalosa corrupção,
para o enriquecimento dos banqueiros, a ausência de reformas estruturais, para as
espúrias alianças políticas, para as medidas antipopulares implementadas por
Joaquim Levy, as falsas promessas eleitorais etc.
A despeito da sagacidade de Lula, o PT viu-se completamente fora da realidade nas Eleições de
2018, pois, ao invés de explicar suas falhas, ele arvorou-se no direito
inalienável de conduzir o campo progressista a um quinto mandato petista. Mais
que isso: Lula acabou por transformar as Eleições de 2018 numa espécie de
plebiscito acerca da sua inocência: se você acha que Lula é inocente, basta
votar em Haddad para presidente. Possivelmente, este foi o seu maior erro
político.
Há
quem critique o temperamento de Ciro, bem como a sua extensa errância
partidária, que, para alguns, seria um sinal de honestidade duvidosa.
Na
realidade, não há qualquer evidência de que o seu humor tenha comprometido a
gestão pública no Ceará, da mesma forma que, no Brasil contemporâneo,
fidelidade partidária não é sinônimo de competência e honradez —
basta mencionar os casos de corrupção ligados à cúpula do MDB na gestão de
Michel Temer. Na verdade, poucos que criticam o ex-ministro realmente deram a
devida atenção à sua fala — crítica tanto ao
neoliberalismo selvagem quanto à corrupção petista. Critica-se com base naquilo
que circula na grande mídia acerca de sua personalidade vulcânica. Creio que, num
país como o nosso, chafurdado na mais cancerosa corrupção que se tem notícia no
mundo, encontrar um político como o ex-ministro Ciro Gomes, que afirma jamais
ter respondido a um inquérito policial, é, sem dúvida alguma, um achado notável.
Diante disso, seus rompantes são, na minha opinião, um mal menor.
Também
não me interessa classificar Ciro Gomes no espectro político. Suas posições
quanto às “reformas” neoliberais, como, por exemplo, a PEC do Teto dos Gastos,
são mais reveladoras que categorias teóricas.
Ciro é um político da vida
concreta, ciente dos problemas reais do povo brasileiro, capaz de achar
soluções para os mais variados problemas que enfrentamos. A despeito dos
defeitos que possam ser encontrados aqui ou acolá, ele se destaca no atual cenário
político.
De fato, num momento que agrega o avanço do conservadorismo e o ocaso
da esquerda tradicional, achar um político que rechaça ambos significa
encontrar um novo caminho para o Brasil.
Entretanto,
devo dizer que compartilho da análise feita por Jones Manoel em seu vídeo "Indústria 4.0 e soberania nacional". Só uma revolução socialista pode nos tirar da condição em que nos encontramos. Pois, o cenário político atual diverge, inteiramente, daquele
que se viu no início da gestão Lula (2003-2010), quando uma parcela do
empresariado aliou-se à cúpula petista, no intuito de viabilizar uma espécie de
neodesenvolvimentismo à brasileira.
Hoje, é impossível governar o país sem ir
de encontro com as medidas impostas pela burguesia, pelo sistema financeiro e
pelo imperialismo estadunidense, pois, esses mesmos atores políticos uniram-se
para saquear o Brasil, impondo-lhe “reformas” que empobrecem a classe trabalhadora.
Avanços civilizatórios conquistados ao longo de décadas pelos trabalhadores
brasileiros, foram derrubados entre Agosto de 2016 e Agosto de 2021, ou seja,
num espaço de cinco anos, de tal maneira que não resta outra alternativa senão
a radicalização de uma nova esquerda, que contorne o petismo e seu legado de
frustrações, liderando as massas para uma ferrenha e incontornável luta de
classes.
É
justo dizer que Ciro não personifica essa nova esquerda à qual estou me
referindo, devido ao simples fato de que ele, assim como o petismo, é fruto (e
defensor) do sistema político vigente, o qual é hostil a movimentos abertamente
radicais e contestatórios. Ciro jamais fará a Revolução que tanto necessitamos.
Ele não é um representante inconteste da classe trabalhadora, tal como fora
Lula no passado. Ao contrário, seu movimento procede, ao meu ver, de uma pequeno-burguesia
letrada, uma classe média socialdemocrata e alguns setores populares
insatisfeitos com o PT. Não há nada de contestatório nesses segmentos da sociedade
brasileira. Aliás, dificilmente seu discurso alcança as camadas mais
vulneráveis da nossa população, o que talvez explique sua derrota em 2018.
No
entanto, pode ser que o ex-ministro faça emergir (involuntariamente?) uma força
política que seja crítica às tendências que nos conduziram até aqui: o desenvolvimentismo
petista, o neoliberalismo antipopular de Fernando Henrique Cardoso e o
conservadorismo hidrófobo de Bolsonaro. É possível que o político cearense dê início
a algumas mudanças que desejamos tão desesperadamente, as quais o PT não ousou
realizar: uma reforma tributária que pese sobre os mais ricos, um programa de
renda mínima (claramente inspirada na proposta de Eduardo Suplicy), uma
democracia mais participativa, uma política externa que defenda, em primeiro
lugar, os interesses nacionais, uma política em defesa do meio ambiente, um
combate intransigente contra a desigualdade social em nosso país, uma autêntica
intolerância contra qualquer forma de corrupção política, uma Reforma Política
à altura dos anseios populares, uma mudança no combate à criminalidade etc.
Ademais,
ao contrário de Lula, que apostou, ao longo de treze anos, na cooptação, despolitização
e imobilização das camadas populares — algo que agradou enormemente as classes
dominantes —, Ciro aparentemente quer o contrário: a entrada das massas na
política. Aqui, vale mencionar que o atual presidente vem fazendo esta aposta
desde 2018, chegando ao ponto crítico em 7 de Setembro de 2021, quando colocou
em xeque uma das mais importantes instituições da República Burguesa: o Supremo
Tribunal Federal (STF).
De fato, Bolsonaro não teme apelar às massas por
mudança. Isso o difere de Lula. Na realidade, o capitão reformado sabe que só
por meio de um movimento genuinamente popular será possível alcançar o que ele deseja:
uma ruptura com o sistema político iniciado nos anos 1980. Pelo que parece, a
esquerda petista teme entrar em confronto aberto com as classes dominantes,
tanto por querer servi-las quanto por intuir que jamais conseguirá arregimentar
as forças necessárias para uma contestação revolucionária.
Ciro
deixa claro que os caminhos que trilhamos no passado já não nos serve mais. Os
tempos são outros; as circunstâncias nas quais nos vemos envolvidos, se distinguem
daquelas em que o PT e o PSDB se viram no início de seus respectivos mandatos.
À medida que o tempo passa, uma parte significativa da população adere ao fascismo
— sintoma de um regime político falido —, enquanto que a outra vai lentamente
acordando para uma realidade dolorosa. A mera defesa de uma “civilidade política”,
“do amor contra o ódio”, “da civilização contra a barbárie”, não dá conta. É
preciso reconhecer que vivemos uma guerra de classes na qual a conciliação tornou-se,
absolutamente, impraticável. Nesse cenário, uma aliança tática com Ciro
viabilizaria, na minha opinião, a premente gestação de uma nova esquerda, mais
politizada e nacionalista que aquela de Lula, e que vá bem além do que foi
feito por PT, PSOL e afins.
Diante
do marasmo em que se encontra a esquerda tradicional, vergonhosamente
dependente de Lula e incapaz de superar a polarização política na qual nos
encontramos, os brasileiros que buscam uma alternativa ao status quo, deveriam abrir mão de suas paixões pueris e ouvir o que
Ciro Gomes tem a dizer. Um novo Brasil não só é possível: ele é incontornável.
Daniel Viana
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